Publicada: 17/01/2010
Texto: Célia Silva / Foto: Alberto DutraA polícia suspeita que bandidos estejam fabricando armas caseiras no Santa Maria para usar nos roubos e outros crimes praticados no bairro e em localidades próximas. Semana passada, um homem foi preso no bairro portando um revólver artesanal. Esse caso somou a outros flagrantes já efetuados pelas polícias civil e militar.
O Santa Maria é hoje o segundo bairro mais populoso de Aracaju com 30 mil habitantes que evitam sair à noite de suas casas com medo da violência. Os policiais fazem ronda, mas a grande extensão do bairro, com pontos de difícil acesso, dificulta o trabalho da Polícia. A delegacia registra, em média, 200 ocorrências por mês, um número bem menor do que as ocorrências registradas na 1ª DM, por exemplo, 500/mês. O delegado João Aragão, da 13ª DM, acredita que os números aparecem mais onde a população aprendeu que denunciar é importante.
Segundo ele, os casos mais comuns na 13ª são os de roubo e furto. A média de ocorrências nessa delegacia não é maior porque os casos que envolvem drogas e homicídios são encaminhados diretamente às especializadas. Mesmo assim, o delegado não associa o Santa Maria à violência. “O número de ocorrências maior ou menor não significa dizer que o crime ocorre mais no Santa Maria ou no Leite Neto. Significa, sim, o grau de interesse da comunidade em denunciar”, falou.
Estigma que discrimina
O bairro Santa Maria surgiu no final da década de 80 (ver boxe). É formado por uma população de baixa renda, subocupada ou desempregada que acaba exercendo uma pressão muito grande na área. As condições de infraestrutura da localidade, que vem melhorando nos últimos anos, a que são submetidos (ver boxe), também podem levar a comunidade a cometer alguns atos de violência, na opinião de estudiosos sobre o bairro.
A dona-de-casa Marcleide Vieira Souza mora no conjunto Padre Pedro, mas não gosta do Santa Maria. “Se tivesse condições não morava aqui”, disse sentada à porta de casa na rua 5, bem defronte ao posto de saúde onde na semana passada houve tiroteio dentro e nas imediações da unidade (ver boxe). Ela contou que é discriminada quando entrega currículos e que não pode arranjar emprego para chegar em casa à noite. “Entro às 5 horas e só saio se for para comprar alguma coisa”, falou.
Próximo à casa dela, uma quadra de esportes está com o alambrado e as tabelas de basquete estão quebrados. Segundo a comunidade, foi depredado logo depois de entregue pela prefeitura, há cerca de três anos. Na praça, defronte à casa de Marcleide, tem lixo acumulado e nenhum equipamento de lazer ou árvore.
Espera por dias melhores
Estelita e José dos Santos moram em um barraco no Morro do Avião que compraram há nove anos por R$ 80. Com dois cômodos, a casa é de sopapo, coberta de telhas e os buracos nas paredes revestidos com plásticos. Não tem banheiro e está em área de risco. Nesse casebre, além do casal, moram duas crianças (três e oito anos), netos de José e Estelita.
Ela disse que não há nada no bairro que ela goste, nem a vista para o mar ou a brisa que sopra e entra pelo casebre. “Se saísse hoje, amanhã já ‘era’ dois dias”, disse dona Estelita que convidou a equipe para entrar e conhecer o barraco. Disse que não tem medo da violência do bairro e que o marido ampliou a casa com o dinheiro que ganha da venda de picolés nas ruas de Aracaju.
Contou também que comprou o barraco com ajuda de um irmão que também mora no bairro. Ela morava em Aracaju e disse que veio para a casa do irmão depois que se separou do primeiro marido. “Foi quando eu vim e ‘conheci ele’”, disse ao se referir ao seu João. “Aqui deu um trabalho pra construir”, falou João enquanto pitava um cigarro de palha. Eles aguardam uma casa nova, de alvenaria, no bairro Novo que está sendo construído pela prefeitura em um terreno distante uns quatro quilômetros de onde ela hoje mora. “Aqui é duro na Terra Dura. Não tem serviço, não tem nada”, falou.
As casas a que ela se referem farão parte de um bairro novo que está surgindo no Santa Maria. O terreno tem espaço para quatro mil unidades habitacionais, entre casas e apartamentos, que já estão sendo construídas. A embaladora Maria Lucidelma Silva Santos, 31, do conjunto Padre Pedro, está cadastrada na PMA e também espera por dias melhores numa casa nova.
Ela mora desde os 11 anos no Santa Maria. Depois que se tornou adulta, foi morar no Arrozal, uma invasão que beira o canal Santa Maria. Vieram as chuvas do ano passado e foi expulsa pelas águas que invadiram o barraco. A prefeitura alugou uma casa para ela e as duas filhas até que os apartamentos do bairro Novo sejam entregues. Maria Lucidelma gosta do bairro.
Focos de violência
O comandante da Rádio Patrulha na Grande Aracaju, capitão Vitor Morais, não suaviza. “Aqui é violento. Existem focos de violência e o Jardim Recreio é um deles. Lá o acesso é difícil”, falou durante uma operação no bairro para prender dois homens que haviam roubado e surrado um idoso.
A diarista Ana Paula Santos mora no conjunto Valadares há 15 anos. Ela disse que tem medo da violência no bairro e que deixou de estudar para não chegar em casa à noite. “Não tenho ninguém pra me esperar no ponto depois das 10 da noite, não posso arriscar minha vida. Chego do trabalho em casa às 7 horas e venho correndo para casa. Aqui eu me tranco”, disse.
O dono de uma pequena mercearia no conjunto Maria do Carmo, José Antônio Guerra, já foi assaltado três vezes nos últimos dois anos. “É ladrão miserável que rouba de quem não tem”, disse esboçando muita revolta. A comerciante Maria Angélica Santana colocou à venda a casa de material de construção que abriu há um ano. “Aqui não dá. Vendo pouco e ainda me arrisco a ser roubada”, falou.
Em 1988, o bairro começava a se formar
O bairro Santa Maria, como é hoje, com conjuntos residenciais e ruas abertas e calçadas, começou a surgir no final da década de 80 com o conjunto Antônio Carlos Valadares para abrigar famílias vindas das invasões do Apicum (Coroa do Meio) e de outras localidades pobres da cidade. O núcleo começou a ser construído em 1988 pela extinta Fundese e entregue a 2.420 famílias dois anos depois.
Antes de se tornar Santa Maria, a Terra Dura tinha imóveis edificados às margens do Canal Santa Maria, quando ainda era navegável e limpo. Os primeiros registros do bairro, segundo estudo feito pela Seplan, remontam a 1932. A maioria dos moradores vivia da pesca ou da carvoaria, atividades que persistiram até pouco tempo antes da construção dos complexos habitacionais.
Entre 1992 e 1995 surgiram os conjuntos Padre Pedro e as novas etapas do Valadares. Esse último ficou conhecido como Maria do Carmo. “Aqui não tem Maria do Carmo, não. O endereço é Valadares. O que acontece é que foi a senadora dona Maria do Carmo que transferiu o pessoal das palafitas da Coroa do Meio para cá. Aí todo mundo passou a chamar de Maria do Carmo”, explicou a comunitária Aldenice Nogueira Resende da Silva, uma das primeiras moradoras dessa etapa conhecida extra-oficialmente como Maria do Carmo.
Após 16 anos, chegam as primeiras obras
O bairro Santa Maria esperou 16 anos, desde o surgimento do primeiro conjunto, para ver surgir as primeiras obras de melhoria. No final de 2004, o então prefeito Marcelo Déda assinou a primeira ordem de serviço para a construção de canais de drenagem no Padre Pedro. Desde então, nesses últimos cinco anos, surgiram no Santa Maria avenidas, uma escola e até um bairro novo que ainda não está pronto, mas que tem a previsão para ser entregue em 2011.
O novo bairro tem espaço para construir cerca de 4 mil unidades habitacionais, entre condomínios de casas e 30 blocos de apartamentos de 2/4 para famílias de baixa renda. Terá também comércio, áreas de lazer, quadras de esporte e infraestrutura. A nova localidade está surgindo em terreno que pertenceu a Infraero, localizado entre os residenciais do PAR da Aruana e Aeroporto e o Santa Maria. Terá ainda uma unidade produtiva para capacitar os moradores que quiserem aprender um ofício ou arte.
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